quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Crítica do CD "Até Sangrar", de Áurea Martins

Quando cantava na noite carioca nas casas da Zona Sul, dividindo microfones com gente como Alcione, Djavan e Emílio Santiago, a crooner Áurea Martins nunca poderia supor que ali no escurinho da platéia enfumaçada, uma cantora consagrada da MPB, a Divina Elizeth Cardoso, a aplaudia fervorosamente dando-lhe o seu aval. Tempos depois, Elizeth continua rondando Áurea, a quem considerava sua afilhada musical. E, se viva estivesse, permaneceria como sua fã incondicional. Tudo isso porque o CD "Até sangrar" que a talentosa Áurea Martins está lançando pelo selo Biscoito Fino, de uma certa forma, reverencia a cantora, falecida nos anos 1990.Memorialista sem ser saudosista, Áurea homenageia não só Elizeth, como também relembra os seus bons tempos de cantora do extinto Dancing Brasil, na Avenida Rio Branco, e divide faixas com colegas do naipe de Alcione e Emílio Santiago, além dos mestres Francis Hime e João Donato, os auxílios luxuosos do CD. Não deixa de recordar ainda o compositor Lupicínio Rodrigues, mola-mestra de um show que ela fez com o pianista José Maria Rocha e a cantora Zezé Gonzaga naquela década.Concebido pela dupla Hermínio Bello de Carvalho e José Maria Rocha, o trabalho é uma pequena jóia que deve ser preservada para que, daqui a vários anos, uma futura geração saiba que por aqui existiu uma cantora do quilate de Áurea Martins. Ninguém poderia imaginar que um sucesso de Marina Lima ("Nada por mim", de Herbert Vianna e Paula Toller) pudesse estar geminada com uma música de Ulisses de Oliveira ("Baralho da vida"), consagrada pela hoje esquecida Dora Lopes. E são esses chamados "casamentos musicais" que fazem o deleite do ouvinte mais atento."Até sangrar" já começa bem, sem firulas ou rodeios. "Ilusão à toa", de John Alf, faz companhia a um velho sucesso da dupla Herivelto Martins e David Nasser ("Pensando em ti"), sem soar piegas. Mais adiante, tem mais Herivelto (o clássico "Edredon vermelho") ligado à "Molambo", de James Florence e Augusto Mesquita. Esquecida nas prateleiras, "Até o amargo fim", de David Nasser e Newton Teixeira, reaparece aqui revigorada e fazendo "dobradinha" com "Ocultei", samba-canção para se cortar os pulsos do grande Ary Barroso e que Elizeth cantava tão lindo. A Divina é lembrada pelo samba "Moeda quebrada", de Luís Reis e Haroldo Barbosa, a Bossa-novista "Janelas abertas", de Tom e Vinicius de Moraes, além de um monumento dificílimo da MPB, "Noturno em tempo de samba", de Custódio Mesquita e Evaldo Rui.Escorada por um time de músicos de se tirar o chapéu (tem desde a gaita esperta de Gabriel Grossi, passando pelo sax saboroso de Daniela Spielman, a experiência de pianistas como José Maria Rocha, Alberto Chimelli, os violões boa-praça de José de Aquino e Bilinho Teixeira, os contrabaixos valiosos de Jorge Helder e Fernando Costa, a bateria precisa de Ricardo Costa, além dos auxílios bacanas de João Donato ("Até quem sabe) e Francis Hime ("Embarcação" e "Sem mais adeus").Áurea transita, com tranqüilidade, por um mar que ela conhece bem. Afinal, foram anos e anos como crooner na noite carioca dos anos 1970, dividindo palcos e microfones com Alcione e Emílio Santiago (que faz bonito com ela em "Valsa dueto", uma graça de Carlinhos Lyra e Vinicius de Moraes), além da dama Helena de Lima, quando esta era empresária da lendária Boate Drink, no Leme, que também pertenceu a Cauby Peixoto.Os tempos de crooner ficam bem nítidos em uma canção- símbolo dos velhos dancings: "Vida de bailarina", de Chocolate e Américo Seixas, o cartão de visitas da lendária Angela Maria. Nela, Áurea incendeia ao lado de uma inspirada Alcione. Áurea também não deixa de se curvar ao mestre Lupicínio Rodrigues, que já sangrou corações pelo Brasil afora. Dele, resgata um velho sucesso de Linda Baptista ("Migalhas"), além de "Não sou de reclamar" e "Há um Deus", que aparecem casadinhas. Mais adiante, tem outras jóias do velho e bom Lupi: "Um favor", que Gal gravou em 1977, fazendo "dobradinha" com "Volta", gravada primitivamente por Linda e que depois todo mundo cantou.Vale a pena ouvir este trabalho sofisticado e delicado de Áurea Martins, saído da cabeça da dupla Herminio Bello de Carvalho e José Maria Rocha, músico do bom Terra Trio, formado ainda pelos irmãos Fernando e Ricardo Costa. E uma dica: quem quiser ver Áurea Martins, ao vivo e a cores, soltando o vozeirão, basta ir ao recém-inaugurado Santo Scenarium, às quintas-feiras, perto do já conhecido Rio Scenarium."Orquestra Lunar" - Orquestra Lunar/ Muito bomO antológico dueto de Dona Ivone Lara e Áurea Martins em "Divina missão" já valeria por todo este primeiro CD da Orquestra Lunar, grupo formado exclusivamente por mulheres, entre cantoras e instrumentistas que tocam na noite do Rio. O repertório é também feminino, com composições de Sueli Costa ("Voz de mulher"), Marina Lima ("Grávida"), Chiquinha Gonzaga ("Corta jaca"), Joyce ("Samba da zona") e Fátima Guedes ("Garrafas ao mar"). Outro grande acerto é a gravação do samba "Águas de cachoeira", de Jovelina Pérola Negra, revivido por Áurea, decana das "meninas" e grande homenageada do disco.

Um comentário:

  1. Como faço pra falar com ass. de comunicação dela?

    Rádio Roquette Pinto
    Tels.: 21-2333-2046/2333-2045

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