quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Áurea Martins canta seu repertório noturno

LUIZ FERNANDO VIANNNAda Folha de S.Paulo

Cantando sambas na animada Lapa carioca, nos últimos sete anos, Áurea Martins foi descoberta ou redescoberta por muita gente. Mas sua carreira está mais ligada a enfumaçadas casas que nem existem mais na zona sul do Rio, e onde suas fãs e mestras Elizeth Cardoso e Zezé Gonzaga iam vê-la cantar boleros e sambas-canções.

"Até Sangrar", apenas seu terceiro disco em quase 68 anos de vida (completa em junho) e 45 de profissão, é um trabalho "de noite", cheio de Lupicinios e Heriveltos, fazendo jus ao domínio que tem do repertório cuidado-com-os-pulsos. "Não me incomoda ser chamada de cantora da noite. As maiores oportunidades que eu tive foram na noite, que me ensinou até onde ir como artista.

O lado ruim é que se engole muita fumaça e as pessoas ficam conversando enquanto você canta. Fui me acostumando, mas não quero mais", diz ela.

O CD foi produzido por Herminio Bello de Carvalho, que também escolheu as músicas ao lado do pianista Zé-Maria Rocha, acompanhante de Áurea há décadas. É desaconselhável para cardíacos: "Ilusão à Toa" (Johnny Alf), "Pensando em Ti" (Herivelto Martins/David Nasser), "Há um Deus" (Lupicinio Rodrigues), "Ocultei" (Ary Barroso), "Molambo" (Jaime Florence/Augusto Mesquita), "Volta" (Lupicinio) e mais 15 canções, algumas agrupadas em medleys.

"Umas coisas sangram o coração, mas não chega a ser um disco triste. Eu dou uma interpretação forte, para não ficar muito para baixo. Depende também do estado de espírito de quem ouve", avisa ela, que gravou até "Nada por Mim" (Herbert Vianna/Paula Toller).

Sem atenção

Foi nos anos 80 que, ouvindo-a cantar "Embarcação" (música de Francis Hime e Chico Buarque que fecha o CD), Herminio encantou-se com Áurea. Mas só agora o desejo de produzir um disco se realizou, após ela ter feito um caprichado (em 1972, com Tamba Trio e Paulo Mendes Campos), mas que não decolou, e um outro (2003) aquém de seu talento.

"Nunca prestaram muita atenção em mim. Ficava meio sentida, achando até que era preconceito racial. Mas não acho mais isso", diz Áurea.

Nascida em Campo Grande (zona oeste do Rio), ela cresceu ouvindo música: a avó tocava banjo, o pai era violonista, um tio se chamava João Clarinete, o outro tocava saxofone, a mãe cantava no coral da igreja e o irmão compõe. Virou crooner cedo, apesar do temor materno.

"Na minha família, para ser músico, era preciso ter um emprego", conta. Acabou fazendo concurso para inspetora de colégio e foi trabalhar com a avançada educadora Henriette Amado. "Ela me chamava no gabinete para eu cantar. Quando ela teve de sair por causa da ditadura [em 1971], saí também e fui viver de música", conta.

Na noite, Áurea dividiu o palco com o novato Djavan e conheceu Alcione e Emílio Santiago -que participam do CD, assim como João Donato e Francis Hime. Nos anos 2000, quando poderia ruir junto com a antiga noite carioca, virou a decana das cantoras da Lapa. "Ganhei uma certa modernidade de interpretação", diz ela, que ainda integra a Orquestra Lunar, formada por mulheres.

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